Internet cabeça. Você quer?
Estamos em uma época em que todo mundo perde um tempo imenso fazendo nada na internet, principalmente nas redes sociais. Mas se todo mundo está conectado e uma parte muito grande de todo o conhecimento produzido pela humanidade está na web disponível para todos, nós deveríamos estar mais interessados em fazer desses sites de redes sociais espaços para divulgação de ideias, certo? Eu acho que não. Vou explicar.
Longe do sonho de Borges #
Jorge Luis Borges imaginava cada livro como parte de uma grande obra, escrita por cada pessoa que optou por contribuir com o propósito de desenvolver o conhecimento humano. A biblioteca infinita seria um grande compêndio de ideias que representam nossa forma de olhar e pensar sobre a realidade. Com a internet utilizada em larga escala, barateamento das tecnologias digitais e mais possibilidades de acesso a informações, seria de se esperar que as pessoas dedicassem mais tempo para produzir conhecimento e contribuir umas com as outras. E sim, isso acontece, mas não da forma como os otimistas da tecnologia digital (Pierre Lévy, por exemplo) imaginavam no início dos anos 2000. A internet tem, naturalmente, alguma valia para a divulgação do conhecimento que está sendo produzido, mas tem bem mais gente interessada apenas em outras coisas: modismos e cultura inútil, por exemplo.
Internet pra pensar? #
O argumento mais comum de quem reclama da falta de conteúdo intelectualmente relevante na internet é que tem muita gente burra tendo acesso cada vez mais fácil às tecnologias digitais. É essa gente que fica postando foto de comida no Instagram e que curte os memes da semana. São essas pessoas, enfim, que estragam as redes sociais, inviabilizando a experiência cognitiva que a web poderia nos proporcionar.
Mas veja se você concorda comigo: quem disse que a internet tem que ser só pra “conteúdo relevante”? Em primeiro lugar, a gente teria que definir “conteúdo relevante” ou o que é intelectualmente bom para ser postado no Twitter, por exemplo. Depois, se você acha que a sua timeline do Facebook tá muito cheia de besteira, é só ir tirando de lá as pessoas que você considera que estão te atrapalhando até ficar só quem você aprova - ou seja, provavelmente só você e mais umas duas pessoas - ou então sair do Facebook.
A preguiça que nos move #
A internet não se resume às redes sociais. Mas as redes sociais serão sempre o local onde você vai encontrar mais coisas estúpidas do que discussões cabeça. Já vi gente reclamando que no Facebook as pessoas não discutem política. Eu digo: ainda bem. Até porque ia ser uma discussão besta que não ia dar em nada. Melhor rir com um vídeo tosco qualquer.
Além disso, quem quer debater sobre alguma coisa ultra intelectual deveria procurar outras opções. Um exemplo: quer encontrar alguém pra conversar sobre a música de Dvorák, teoria das cordas, libertarianismo ou literatura romana? Deve ter algum fórum, em algum lugar, em que tem gente estranha que nem você doida pra te encontrar. Ou então, uma coisa melhor: você pode criar esse fórum, ou um sei-lá-o-quê, onde as pessoas possam se reunir para discutir sobre coisas edificantes e mudar o mundo.
Mas sabe porque você não faz isso? Eu sei. Porque dá uma preguiça gigante só de pensar em criar um meio de reunir pessoas que só vão falar de coisas importantes. Vai ser tudo tão chato que o esforço não vai valer a pena. E como você já tá no Facebook é melhor reclamar lá, não é mesmo?
Me entenda, acho que a internet pode até nos aproximar da possibilidade de termos uma biblioteca universal com compartilhamento de conhecimento e produção colaborativa sobre temas específicos. Mas sempre, sempre, serão poucas as pessoas interessadas nisso. E isso não está errado! O que tem na internet não é tão diferente assim do que está fora dela. Afinal, no mundo offline você não vai pro barzinho pra discutir fenomenologia, não é? Não é?